Outubro 03 2013

Nos últimos meses decidi remeter-me ao silêncio sobre as eleições autárquicas, depois de ter feito, em consciência, tudo dentro do partido em que milito para provocar uma verdadeira Mudança de Rumo na minha terra e no meu concelho. As razões não são para aqui chamadas, mas decidi assim. Agora creio ter chegado o momento em que posso fazer alguns comentários. Por pontos, para ser mais claro, embora com menos estilo. Começo pelo concelho de Vila Franca de Xira:

1. Os vencedores estão de parabéns e felicito-os pela vitória, a todos, com sinceridade;

2. Alguns amigos mais próximos ouviram-me várias vezes, em privado, fazer um vaticínio: o PS ganharia a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira por falta de comparência dos adversários e a abstenção rondaria os 60%. Confirmou-se o essencial do vaticínio;

3. Enganei-me apenas no valor da abstenção: como em todo o país, cresceu, mas no nosso caso para valores muito superiores à preocupante média nacional: em VFX atingiu o valor de 55,8%, isto é, muito mais de metade dos eleitores habilitados);

4. No país também cresceu o número de votos brancos e nulos. Mas no nosso concelho os valores dos dois somados atingem a inimaginável proporção (ainda para mais naquele dia cinzento de chuva miudinha) de 9%.

5. Portanto, no total, 64,8% dos eleitores do concelho de Vila Franca de Xira decidiram não votar ou, significativamente, votar branco ou nulo;

6. O novo Presidente de Câmara, a quem felicito de novo pela vitória, foi eleito com apenas 18.456 votos em 110.266 eleitores. Isso significa que temos um Presidente de Câmara eleito por 16,7% dos eleitores e 37,8% dos que foram votar.

7. Como estas eleições se enquadram no conceito de "democracia representativa", é esta que está em causa. Afinal, o novo Presidente da Câmara representa menos de 17 eleitores em cada 100!

8. Calculo que esta evidenciação dos números, simples e indesmentíveis números, possa suscitar comentários negativos, urticária em muitas pessoas, reações destemperadas noutras. Vão dizer que estou a tentar denegrir a vitória de quem foi mais votado e que quem ganha segundo as regras estabelecidas não merece contestação. Pois não. Mas eu  não estou a minorizar a vitória. Estou só,  na verdade,  a pôr em evidência o facto de que, no concelho de Vila Franca de Xira (quem diria que assim está hoje o berço do neo-realismo), mais do que acontece também ao nível do país, o divórcio entre os agentes políticos e os eleitores é assustador. Isso deveria merecer uma reflexão séria, desde logo por parte de todos os democratas que participam. Alguma coisa está mal  e evitar o debate, agora que ele já não afeta a decisão sobre quem ganha, não é uma boa solução (nem o foi antes).

10. Creio mesmo que foram os sucessivos anos de autocracia, do "quero, posso e mando", de perseguição dos críticos e de autismo político, que conduziram à situação que refiro. Em todo o país isso se passou um pouco  e os partidos bem deviam refletir sobre o assunto, em vez de abafar o debate com acusações a quem se limita a fazer o seu dever de dizer o que pensa, de forma livre e desassombrada em relação à carga caciquista com que tantas vezes se abafou a controvérsia e a correspondente possibilidade de inovação e renovação do campo político.

 

A  nível nacional, satisfez-me a derrota estrondosa da direita e a vitória da esquerda, em particular a do PS. Mas no seio desta não posso deixar de destacar os casos de Lisboa e Vila Nova de Gaia, por acaso (e só por acaso), dois concelhos (juntamento com Odivelas) em que tive a oportunidade de ser convidado para fazer campanha e fiz.

Noto que os resutados do PS, correspondendo a uma inegável vitória representada por mais 200.000 votos do que a soma dos partidos do governo, não deixa de ser marcada pela quebra de outros 200.000 em relação às autárquicas de 2009. O PS ganhou claramente, mas sem chegar aos níveis que lhe permitam aplicar um novo programa de governo no país.

António Costa, esse sim, foi um vencedor inequívoco. Não se fala sequer do efeito normalmente desmobilizador que uma vitória anunciada geralmente provoca, de tal modo foram claros os sinais transmitidos pelos eleitores lisboetas. 

Se há elações a tirar para o país, elas são, a meu ver, 4:

a) A direita sofrerá uma pesada derrota nas próximas eleições europeias e nas legistativas, sejam elas dentro do prazo previsto ou antecipadas em função da turbulência que afunda a nau do governo e vai retirando ao país a esperança em dias melhores;

b) António José Seguro não descola de uma maioria relativa que o deixará refém de uma aliança à direita, já que à esquerda do PS reina a irresponsabilidade pelo governo da nação;

c) A hipótese de António Costa chegar à liderança do PS disputando eleições com Passos Coelho ou com Rui Rio (logo se verá) seria a única a permitir ao PS a obtenção de uma maioria absoluta;

d) A abstenção e os votos brancos e nulos têm vindo a crescer de eleição para eleição desde há mais de uma década. Estamos perante um fenómeno de apatia política crescente reforçado por outro de rejeição dos partidos a "concurso" (relembre-se que são eles  a base da própria democracia), ou não teremos de nos preocupar com o assunto, porque continuadmos a ter eleições livres?

Fica uma incógnita que apenas pode, por agora, dar lugar a especulações: será que o "fenómeno independentes" tem condições para ser replicado a nível nacional? Se for o caso, em que modalidade: populismo ou alargamento do campo de escolha no quadro da democracia representativa? Esta é uma incógnita.

Tenho dito!

publicado por cafe-vila-franca às 22:51

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No Café Vila Franca, como nos cafés da trilogia de Álvaro Guerra, os personagens descrevem, interpretam e debatem a pequena história quotidiana da sua terra e, com visão própria, o curso da grande história de todo o mundo.
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