Todos nos lembramos, mesmo que sem pormenores, da história dos sitiados num castelo que, já no desespero da rendição próxima por falta de mantimentos, entregam aos que os cercam o último animal e o último pão, com a mensagem de que não vale a pena continuarem o cerco, pois a abundância, e consequente capacidade de resistência, é tanta que mais cedo morrerão à mingua os que atacam do que os que defendem o castelo.
Esta história conta-se, com ligeiras alterações locais, a propósito de vários acontecimentos, verdadeiros ou supostos (tanto faz) em várias terras e em diversos países.
Passos Coelho, a avaliar pelo que disse em recente entrevista na televisão, e o seu governo, a avaliar pelo que disse Crato a respeito do relatório anual da OCDE sobre a educação, nunca ouviram contar a história. Além disso, não têm a esperteza dos antigos alcaides. Ou querem-nos fazer crer que não estamos cercados e que a culpa da crise é do nosso povo, mais de anteriores governos, e não dos especuladores da alta finança que impõem ao mundo uma nova ditadura "apolítica" - contra toda a política, porque é contra qualquer envolvimento dos cidadãos na discussão sobre os problemas e o futuro da polis - subjugando as sociedades, os estados e as pessoas e submetendo-os aos seus interesses particulares. Para mais, fazendo crer aos menos avisados que só há uma solução, a sua "solução única", para os problemas que eles próprios criaram.
Ora, Portugal está cercado por esses interesses do capital especulativo. Porém, não é só Portugal o visado. Como nas antigas conquistas e assaltos a castelos, começa-se pela periferia até chegar ao centro. E o centro é a Europa. Qual o tesouro que buscam? O fim da utopia da construção de uma sociedade equitativa e justa, com qualidade, com direitos e capaz de oferecer a todos possibilidades de realização pessoal, económica e social.
Perante isto o que faz Pedro Passos Coelho? Pinta o país com cores ainda mais negras do que os próprios vampiros o fariam. Transmite dele uma imagem de fragilidade, em grande parte artificialmente produzida, para nos levar a aceitar um programa de ataque à qualidade de vida das pessoas sem precedentes. Com o seu discurso da desgraça (a que chama "realismo") só agrava a situação e nos prejudica.
Sem a mínima ponta de simpatia pelo ditador da Madeira, diria que o erro de Passos Coelho é mais grave e mais danoso do que o de Alberto João Jardim. Desmoraliza, fragiliza, abre brechas na muralha. Não constrói nem ajuda a desenvolver nada, só deprime. Não é, apenas, Alberto João Jardim que prejudica a imagem do país. São também, com maior impacto, os membros do governo que nos pintam piores do que somos.
Por ignorância e incompetência? Ou porque temos a governar-nos um peão do neo-liberalismo sem escrúpos nem piedade?