Setembro 22 2011

Todos nos lembramos, mesmo que sem pormenores, da história dos sitiados num castelo  que, já no desespero da rendição próxima por falta de mantimentos, entregam aos que os cercam o último animal e o último pão, com a mensagem de que não vale a pena continuarem o cerco, pois a abundância, e consequente capacidade de resistência, é tanta que mais cedo morrerão à mingua os que atacam do que os que defendem o castelo.

Esta história conta-se, com ligeiras alterações locais, a propósito de vários acontecimentos, verdadeiros ou supostos (tanto faz) em várias terras e em diversos países.

Passos Coelho, a avaliar pelo que disse em recente entrevista na televisão, e o seu governo, a avaliar pelo que disse Crato a respeito do relatório anual da OCDE sobre a educação, nunca ouviram contar a história. Além disso, não têm a esperteza dos antigos alcaides. Ou querem-nos fazer crer que não estamos cercados e que a culpa da crise é do nosso povo, mais de anteriores governos, e não dos especuladores da alta finança que impõem ao mundo uma nova ditadura "apolítica" - contra toda a política, porque é contra qualquer envolvimento dos cidadãos na discussão sobre os problemas e o futuro da polis - subjugando as sociedades, os estados e as pessoas e submetendo-os aos seus interesses particulares. Para mais, fazendo crer aos menos avisados que só há uma solução, a sua  "solução única", para os problemas que eles próprios criaram.

Ora, Portugal está cercado por esses interesses do capital especulativo. Porém, não é só Portugal o visado. Como nas antigas conquistas e assaltos a castelos, começa-se pela periferia até chegar ao centro. E o centro é a Europa. Qual o tesouro que buscam? O fim da utopia da construção de uma sociedade equitativa e justa, com qualidade, com direitos e capaz de oferecer a todos possibilidades de realização pessoal, económica e social.

Perante isto o que faz Pedro Passos Coelho? Pinta o país com cores ainda mais negras do que os próprios vampiros o fariam. Transmite dele uma imagem de fragilidade, em grande parte artificialmente produzida, para nos levar a aceitar um programa de ataque à qualidade de vida das pessoas sem precedentes. Com o seu discurso da desgraça (a que chama "realismo") só agrava a situação e nos prejudica.

Sem a mínima ponta de simpatia pelo ditador da Madeira, diria que o erro de Passos Coelho é mais grave e mais danoso do que o de Alberto João Jardim. Desmoraliza, fragiliza, abre brechas na muralha. Não constrói nem ajuda a desenvolver nada, só deprime. Não é, apenas, Alberto João Jardim que prejudica a imagem do país. São também, com maior impacto, os membros do governo que nos pintam piores do que somos.

Por ignorância e incompetência? Ou porque temos a governar-nos um peão do neo-liberalismo sem escrúpos nem piedade?

publicado por cafe-vila-franca às 20:27

No Café Vila Franca, como nos cafés da trilogia de Álvaro Guerra, os personagens descrevem, interpretam e debatem a pequena história quotidiana da sua terra e, com visão própria, o curso da grande história de todo o mundo.
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