Outubro 27 2009
Vila Franca de Xira é hoje um grande concelho da Área Metropolitana de Lisboa e um dos maiores – em população – do país. Mas maior não quer dizer, como por vezes se pensa, melhor ou mais desenvolvido. No nosso caso significa apenas mais inchado. Como chegámos a este ponto? É sobre esta questão que adiantarei aqui a minha visão dos processos históricos globais que marcaram as últimas décadas da história do nosso concelho. Há cem anos atrás Vila Franca de Xira era um importante pólo económico e social, centro de um território com vida própria e lugar relevante no país. A então vila era a capital da Lezíria e dos mouchões, os mais ricos e produtivos terrenos agrícolas portugueses. Era a sede – título que disputava com Santarém – da actividade económica que então predominava. As condições naturais e a acção humana faziam com que a agro-pecuária se distinguisse da pequena economia camponesa predominante em Portugal. Já nesse tempo era uma actividade marcada por uma acentuada lógica empresarial, moderna e avançada para a época. Vila Franca de Xira polarizava não apenas as pequenas freguesias que constituíam o seu concelho (Alhandra seria a única com alguma autonomia e dimensão), mas também os concelhos vizinhos na zona dos montes (Arruda, Alenquer) e da Lezíria (Benavente, Azambuja). A importância económica e política da Vila tinha tradução na sua vocação comercial e administrativa. Nela se localizavam as feiras, as lojas e os restaurantes da região. Nela tinham delegações todos os órgãos relevantes da administração política e judicial e de serviços como os de saúde e educação pós-primária, que serviam a sua vasta área de influência. A dimensão populacional da sede do concelho era incomparavelmente maior do que a das suas pequenas freguesias. Na Vila, a par dos assalariados agrícolas, residiam os comerciantes, os lavradores, os profissionais liberais, os funcionários da administração. Das freguesias vinham, principalmente, os assalariados rurais das grandes casas agrícolas, contratados em permanência ou à jorna. Nas épocas de maior labor ranchos do que hoje chamaríamos “migrantes sazonais”, como os “ratinhos”, os “caramelos”, os “gaibéus” e outros vinham de longe, deixar na Lezíria o suor que trocavam pelo dinheiro que lhes permitiria viver o resto do ano nas suas terras. A comunidade varina já se tinha fixado no final do século XIX e no início do século XX vieram os Avieiros. A população foi-se diversificando quanto às suas origens. Uma identidade marcada por símbolos muito fortes (a Lezíria, o Tejo, os toiros e os campinos, os toureiros), que na altura não eram folclore mas a tradução cultural da realidade da vida, permitia uma rápida integração de todos os que por cá iam ficando. Entretanto, foram-se instalando as primeiras indústrias, ligadas à agricultura primeiro (por exemplo, as fábricas de descasque de arroz de Vila Franca, Alhandra ou Póvoa) e depois mais diversas, destacando-se os “Cimentos Tejo” em Alhandra. Com esta fábrica a indústria começa a ganhar terreno e força de trabalho à agricultura. A década de 50 e seguintes, até à crise petrolífera de 1973, foram as décadas da industrialização. Em toda a linha que vai de Sacavém até à Vala do Carregado, a paisagem encheu-se de uma indústria moderna e o Concelho de Vila Franca de Xira, cuja agricultura se mecanizava e capitalizava cada vez mais, passou a ser, além de centro agro-pecuário, uma das mais importantes regiões industriais do país. Escuso de lembrar o nome das empresas em que muitos dos que me lerem porventura ainda trabalharam ou trabalham. A industrialização trouxe mais imigração e as freguesias do concelho cresceram, para albergar os trabalhadores das suas fábricas. A auto-estrada chega a Vila Franca e a Ponte Marechal Carmona faz da terra a encruzilhada de todos os caminhos. A sede do concelho manteve a centralidade administrativa e política, mas compartia já com as outras localidades uma população que aqui ganhava raízes. A expansão urbana inicia-se, mas nessa altura ao serviço da economia do concelho. A industrialização, a par da ditadura política que acinzentava o país, acentuou a tradição de luta popular e operária, sindical e política, por melhores condições de vida e pela liberdade que eclodira nas greves de 43 e 44. Tal tradição forma um novo símbolo da identidade concelhia. Que não anulou a anterior. Antes se cruzou com ela, num interessante mosaico de cumplicidades e contradições que reforçavam um conjunto coerente, forte e plural. O associativismo pujante, com qualquer pretexto ou finalidade (desportiva, recreativa, musical, cultural, social, etc.) é a face mais visível desta nova cultura. Só podia ser esta região, por tudo isto, a sede do movimento neo-realista. A crise de 1973 marca o fim da época de oiro da indústria fordista do (relativamente) próspero concelho de Vila Franca. Permanecem por cá importantes unidades industriais (OGMA, Atral-Cipan, Soda Póvoa, Central de Cervejas, Tudor, Adubos de Portugal, entre algumas outras), mas os despojos das empresas liquidadas são uma marca mais visível. Ao mesmo tempo o concelho conhece uma expansão urbanística que não cessou até hoje. Mas as novas localidades, os novos bairros, as novas áreas residenciais construídas sem aparente ordenamento (como se apenas os interesses imobiliários estivessem presentes) não albergam já trabalhadores das empresas locais, mas principalmente pessoas que vêm dormir a Vila Franca. No lugar das antigas fábricas e ao lado delas aparecem agora armazéns e entrepostos, de que a futura plataforma logística da Castanheira (preparada para receber os contentores que Lisboa não quer) é o maior símbolo. A logística é pobre em emprego, tanto em quantidade, como em qualidade, e isso reflecte-se no empobrecimento do concelho. É certo que o enorme crescimento populacional das diversas freguesias, incluindo novas cidades maiores que a sede do concelho, introduzem uma lógica poli-nucleada na componente festiva. Cada terra passou a ter a sua grande festa, onde antes haviam apenas eventos em Vila Franca, o Carnaval de Alhandra e pequenos arraiais nas freguesias. Isso é um aspecto positivo. Maculado, porém, por uma crescente “folclorização” das principais festas concelhias e o quase desaparecimento de algumas das mais antigas. Uma sociedade maior mas mais fragmentada e menos ligada à economia local, desvinculada em relação ao meio, reflecte-se na crise do associativismo, na diminuição da participação cívica e política, na aridez da agenda cultural, nas dificuldades de circulação, na debilidade das acessibilidades e na escassez de equipamentos sociais. Enfim, estamos hoje num concelho que é muito maior, mas que se arrisca a ser um mero território de expansão urbana e serventia de Lisboa. Um concelho com uma crise de identidade. Não somos já nós próprios, mas o resultado do que forças externas fizeram de nós. Podia ter sido diferente, face à pressão da expansão metropolitana? A verdade é que outros concelhos que sofreram processos de “inchação” semelhantes ao nosso começaram, a partir dos anos 90, a mudar o rumo. A conter a expansão urbana, a ordenar o território, a apostar nos equipamentos colectivos, a valorizar os recursos locais, a promover agendas culturais relevantes, a criar condições de apoio à transição para a economia do conhecimento e da inovação. Não podemos nós fazer o mesmo? Creio que sim, como procurarei argumentar nos próximos posts, cujas linhas mestras apontam prioridades como o desenvolvimento sustentável assente nos objectivos estratégicos de (re)qualificar o território e a sociedade; de inovar no apoio à economia; de humanizar as comunidades (devolver uma escala humana ao concelho, dar prioridade às necessidades das pessoas, promover a solidariedade); de renovar as identidades, num território a que as pessoas possam chamar seu. Luís Capucha
publicado por cafe-vila-franca às 10:46

Outubro 16 2009

Há pessoas para quem não importa onde vivem. Desde que certos requisitos mínimos estejam preenchidos, qualquer local serve. Há sempre uma avaliação subjectiva nisto. Uns sentem-se bem porque o sítio onde moram, mesmo que não seja nas melhores condições, é melhor do que o sítio onde moravam. É o caso típico dos imigrantes. Outros apenas avaliam parâmetros como a segurança, a proximidade ao emprego, a existência de equipamentos nas proximidades e a qualidade da habitação, escolhendo a melhor oferta, seja onde fôr.

Mas há outras pessoas para quem isso não chega. É o meu caso. Não me limito a viver num sítio. Sou de uma terra. Ela faz parte de mim e a muito custo custo me separaria dessa parte. Tanto quanto me custa sentir que a terra é cada vez menos o que eu gosto nela.

Não se trata de provincianismo. Considero-me um cosmopolita. Nem conservadorismo tradicionalista. Considero-me um progressista. Aos 10 anos de idade comecei a sair todos os dias de Vila Franca para o Passos Manuel, onde estudei. Isso fez-me sentir mais vilafranquense e ao mesmo tempo mais inteiramente parte de um mundo maior. E a minha vida nunca deixou de confirmar esta percepção.

Nisso sou igual a muitos dos residentes no concelho de Vila Franca. Cidadãos do mundo que amam a sua terra.

É talvez por isso que sempre nos custou tão pouco receber, acolher e integrar sucessivas vagas de migrantes que vieram viver lado a lado connosco.

Para os que amam a sua terra, os que a sentem verdadeiramente como sua, ela é como que uma segunda pele. Mais sensível do que a primeira. Talvez seja essa a razão porque todos os detalhes são importantes.

Claro que mesmo em concelhos como Vila Franca até as pessoas que se sentem parte dele são diferentes umas das outras em muitos aspectos. Por isso nem todos coincidem na opinião sobre o que é melhor para a terra que é de todos. Quando assim acontece, em todos os sistemas sociais, alguém ou alguma instituição deve ter a capacidade, reconhecida por todos, para fazer a síntese. Para fornecer uma visão comum.

Ora, essa função tem estado completamente ausente no nosso concelho. O que queremos nós que seja o concelho de Vila Franca de Xira, hoje e no futuro?

Têm sido dadas duas respostas. Uma na prática. A outra nas opiniões que algumas pessoas (eu incluído) têm manifestado, com a coragem de remar contra a maré.

Na prática, quem tem dirigido os destinos do nosso concelho, desde o 25 de Abril (com pequenos lapsos de incerteza), julga que Vila Franca de Xira não pode servir senão para serventia de Lisboa. Para parque habitacional de apoio à capital, para área de logística, como passadeira de acesso, como mera "porta de entrada" na área metropolitana.

Outros querem que o concelho, sem dúvida parte dessa grande área metropolitana, tenha vida própria, orientada para a qualidade de vida.

O que é isso de qualidade de vida num território com vida própria?

A resposta a esta questão não é simples. Por isso vou tentar abordá-la em dez ou onze capítulos, a publicar à média de um por semana. A qualidade de vida implica uma visão integrada do modo como se comportam os sectores-chave. Mas para construir esssa visão integrada será preciso primeiro olhar cada sector em separado. Sem pretender ser exaustivo, referir-me-ei aos tópicos seguintes:

0. Uma imagem sincrética da história socio-económica recente do concelho

1. Emprego, actividade económica e inovação

2. Educação e formação

3. Habitação e ordenamento do teritório

4. Equipamentos sociais

5. Ambiente e desenvolvimento sustentável

6. Acessibilidades e transportes

7. Solidariedade e justiça social

8. Segurança

9. Saúde

10. Vida comunitária, associativismo e lazer

11. Cultura e Identidade

 

Desde já ficam todos convidados a enviar ideias, antes e depois de publicado cada um dos posts.

Um abraço e até para a semana (sobre este assunto, pois outros se podem intrometer).

Luís Capucha

 

 

 

publicado por cafe-vila-franca às 14:39

Outubro 12 2009
Vitória ou derrota do PS?  O PS concelhio perderá o único deputado que tinha na Assembleia da República: o desconhecido e (com todo o respeito) “inegociável” Paulo Afonso ficou colocado na 29ª posição da lista que elegeu 19 deputados. Seria preciso que saíssem 10 para o governo, o que é mais do que improvável, para ocupar um lugar no Parlamento;  O PS voltou a ganhar a Câmara Municipal e 9 Juntas de Freguesia. Terá maioria na Assembleia Municipal. Voltou a ser o partido vencedor;  O PCP não descola dos 24/25%, que parece ser o seu máximo actual. Quem toma o PS por inimigo tem como destino ser assim tratado pelo eleitorado. Já o PSD teve um crescimento significativo de 16,37% (8429 votos em 2005) para 23,35 (12820 votos);  Mas o PS perdeu a maioria absoluta. Elegeu 5 vereadores contra 3 do PCP e 3 do PSD, partido que viu muito aumentada a representação. Não foi sequer preciso que o merecidamente eclipsado Bloco também viesse meter a colher…  Quando o PS a nível nacional subiu (de 35,84% para 37,65% entre 2005 e 2009) o PS concelhio desceu de 46,14% para 43,98%. Isto inviabiliza a teoria, tantas vezes evocada pelos principais dirigentes locais, da “culpa do governo”. Aliás, por exemplo em 2005, o PS local conseguiu um resultado dez pontos percentuais acima dos resultados nacionais nas eleições autárquicas e oito pontos percentuais acima dos resultados que obtivera no concelho para as legislativas de 2002. Se há culpados a encontrar, eles estão no concelho, em posições de responsabilidade, e não fora;  Aliás, o PS, depois de em 1997 ter ganho a Câmara à CDU com 38,5% dos votos, obteve duas maiorias absolutas (46,64% em 2001 e os já referidos 46,14 em 2005), para voltar agora a perder;  Maria da Luz Rosinha teve no Concelho menos votos (24141) do que Sócrates (25161) nas últimas autárquicas e legislativas;  Os votantes nas autárquicas foram menos cerca de 11.300 do que nas legislativas, o que revela o desinteresse dos cidadãos pela vida política local e, também, o fraco poder de mobilização dos candidatos a autarcas, Se Maria da Luz Rosinha se tivesse de defrontar com outros candidatos, como seria? Será que iremos beneficiar sempre deste avanço que os adversários nos dão ao escolher os seus candidatos?;  A diferença de votos nas listas do PS para a Câmara e para a Assembleia Municipal foi de 1455. Para a Câmara Municipal Maria da Luz obteve 43,98% dos votos enquanto José Quítalo não foi além de uns decepcionantes 41,33%. O PS não tinha melhor para apresentar ao eleitorado?;  Também ao nível das freguesias as coisas não correram bem. O PS perdeu a maioria absoluta em Vila Franca de Xira. Maria da Luz Rosinha ganha para José Fidalgo mas também para os candidatos apresentados em Alhandra, Castanheira (um “case study”), na Póvoa e em Vialonga. Mais erros de “casting” ou uma líder que ofusca os camaradas?  Não ofuscou António Inácio, que ganhou com maioria absoluta o Forte da Casa, única freguesia em que o PS subiu e aquela em que o candidato ganhou claramente à Presidente da Câmara (2728 votos para ele, 2487 para Maria da Luz). Foi o único Presidente de Junta que ousou defrontar o grupo no poder do PS concelhio nas eleições para a Concelhia, lembram-se? Agora, há que retirar as consequências de tudo isto, ou não?
publicado por cafe-vila-franca às 21:31

Outubro 05 2009

Burro não é, necesariamente, quem não sabe. Esse pode nunca ter aprendido. Burro é um tipo como eu que escreve "acessores" onde está farto de saber que se deveria escrever "assessores". As inhas desculpas.

publicado por cafe-vila-franca às 23:04

No Café Vila Franca, como nos cafés da trilogia de Álvaro Guerra, os personagens descrevem, interpretam e debatem a pequena história quotidiana da sua terra e, com visão própria, o curso da grande história de todo o mundo.
mais sobre mim
Outubro 2009
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3

4
5
6
7
8
9
10

11
13
14
15
17

18
19
20
21
22
23
24

25
26
28
29
30
31


pesquisar
 
subscrever feeds
blogs SAPO