Maio 18 2010

Publiquei há pouco tempo um artigo na revista do jornal Expresso no qual escrevi que, sendo incerto o nosso futuro, há porém uma certeza: ele vai depender do modo como formos capazes de sustentar a reforma da educação e da formação. Estender a escolaridade até aos 18 anos, diversificar as vias de ensino para jovens e valorizar a qualificação profissional, qualificar o parque escolar, assegurar universalidade de frequência no pré-escolar, prosseguir a revisão de programas do básico de modo a adequá-los ao currículo organizado por competências, equipar tecnologicamente as escolas, sustentar o movimento de massas de procura de percursos de educação-formação por parte dos adultos e permitir que a população activa retome percursos de qualificação, eis algumas das prioridades absolutas para uma política de educação-formação virada para o crescimento, a modernização, a justiça social e a democracia. Não pode haver combate à crise que ponha em causa estas prioridades, sob pena de prolongarmos os factores que tornam o nosso país num dos menos preparados para a economia do presente e do futuro em toda a Europa.

Esta agenda nacional é, igualmente, a agenda de cada município. É, também, um desafio para Vila Franca de Xira.

A educação e a formação é uma política de proximidade, que implica a mobilização dos parceiros com responsabilidades no território. Por isso é errada a atitude, típica de algumas câmaras municipais lideradas pelo PCP, mas também adoptada pela do nosso concelho, de remeter as responsabilidades todas para o poder central, resistindo a envolver-se para além do estritamente legal. Por isso Vila Franca de Xira foi uma das poucas Câmaras da Área Metropolitana de Lisboa que não assinou com o Ministério da Educação o protocolo de transferência de competências na área da educação. Os munícipes deveriam tentar saber porquê!

Temos em Vila Franca boas condições de partida. Uma rede de instituições de solidariedade que poderia ser mobilizada de forma muito mais profunda para a expansão do pré-escolar, para a organização das actividades de enriquecimento curricular e para o apoio às famílias das crianças do primeiro ciclo. Não há desculpa para não serem abrangidas todas as crianças em idade pré-escolar e para que as AEC estejam organizadas de tal modo que podemos dizer que pior é difícil de encontrar no país. Do mesmo modo que não há razão para persistirem escolas com pouquissimos alunos, com turmas que agrupam crianças de diferentes anos de escolaridade e sem infraestruturas hoja consideradas básicas.

As escolas secundárias e os agrupamentos com escolas secundárias deram, de forma geral, uma boa resposta ao desafio que lhes foi lançado de diversificarem o projecto educativo com a oferta de cursos profissionais e de CEF. Mas para que tudo funcione é preciso que as autarquias medeiem a relação entre as escolas e as empresas, de modo a que haja articulação entre a oferta e a procura e para que as componentes práticas da formação recebam o devido apoio dos empregadores. Mas, onde está na nossa zona a rede para a qualificação que por todo o lado os municípios estão a criar?

Redes para a qualificação que incluem as respostas para adultos, nomeadamente nos Centros Novas Oportunidades, nos Cursos de Educação e Formação e no Centro de Formação Profissional de Alverca. O que faz a Câmara neste campo, a não ser aparecer nalgumas cerimónias de entrega de diplomas presumindo à custa do esforço alheio?

Poderíamos prolongar o exercício. Encontraríamos demissionismo ou mediocridade cada vez que se perguntasse pela acção da Câmara, em contraste com o esforço das escolas e das entidades formadoras, algumas das quais são exemplares no plano nacional.

Há uma excepção a esta regra: ao nível do ensino superior. Porquê? Porque, embora tendo todos os meios (as instalações da Marinha ou a presença das OGMA são paradigmáticos a esse respeito), o Município não teve nem o engenho nem a arte para trazer nenhuma instituição de ensino supeior com o mínimo de prestígio para o concelho. Também nisso é única, porque falhou onde quase todos os seus congéneres de idêntica dimensão apostaram e ganharam.

 

publicado por cafe-vila-franca às 17:51

Maio 17 2010

No último post teci alguns comentários críticos em relação aos sectores mais conservadores da igreja e a algumas das suas ideias mais reaccionárias. Há porém entre a cristandade quem tenha vindo a chamar a atenção para uma questão do maior relevo no momento actual, de forma que considero positiva. Trata-se da denúncia da lógica prevalecente no capitalismo globalizado emergente da queda do Muro de Berlim e da desregulação da economia mundial.

Vivemos uma crise ampla, profunda e geradora de incertezas. Trata-se de uma crise financeira, económica e social e não se sabe ao certo nem como nem quando terminará, nem tão pouco as sequelas que deixará.

Esta crise encontra as suas raízes mais profundas numa inversão de valores: o capital financeiro deveria estar ao serviço da economia e do investimento económico, e este deveria estar ao serviço da sociedade e do bem-estar das pessoas. Com sentido de justiça, a prioridade seria dada aos grupos mais vulneráveis.

Vivemos porém num tempo sem regras, em que os interesses privados do mercado, sem controlo, escrutínio nem regulação públicos, se impõem aos interesses colectivos das pessoas. Os trabalhadores, com cada vez menos direitos, são vistos nesta cultura do capitalismo neo-liberal como meros recursos de que o mercado se serve de forma livre e sem controlo. A gestão de boa parte das empresas orienta-se não para a sua existência tão longa quanto possível no desempenho da função  económica e social de lugar de produção e de trabalho, mas para o curto prazo do valor das acções na bolsa. O capital financeiro torna-se predominante e, dentro deste, o seu segmento especulativo, o mais inútil e perverso, sem legitimidade e de legalidade por vezes duvidosa, impõe uma lógica de manipulação dos mercados e das economias que apenas favorece os centros de decisão financeira e em particular os próprios especuladores

Foram estes segmentos os responsáveis pela crise. E são agora eles que a prolongam, por via do mais despudorado ataque a economias nacionais europeias e à própria Europa, numa tentativa de pôr fim ao modelo social europeu, o principal referencial de progresso pelo qual a humanidade se pode guiar nos tempos que correm.

As primeiras respostas políticas à crise em quase toda a Europa, onde predominam governos de direita, de centro direita e de socialismo pouco convicto, optaram, bem, por proteger os sectores mais vulneráveis da população e, principalmente (mal), por apoiar o sistema financeiro, muitas vezes para além do que seria razoável. Esta segunda vertente foi a principal consumidora de recursos. No fundo, a principal geradora de elevados défices das contas públicas.

Os especuladores, responsáveis pela crise, em vez de receberem castigo, beneficiam dela. E prosseguem ao ataque, escolhendo entre o rebanho do Euro as reses mais fracas (nem sequer as que têm maior défice, mas as mais periféricas). As consequências podem ser devastadoras.

Como respondem os governos? Adoptando como prioridade exclusiva o controlo do défice do estado, ainda que à custa do crescimento económico, dos rendimentos dos cidadãos e da degradação das condições de vida dos mais desfavorecidos.

Aceitando pôr em risco a frágil unidade europeia submetendo-se aos interesses egoístas do governo alemão. A Europa, em vez de aprofundar a União em bases democráticas, divide-se e cava diferenças entre os estados poderosos do centro e os estados periféricos, compelidos a seguir as políticas determinadas pelos primeiros.

Já não é a primeira vez que isto acontece. Após a crise de 1929 foi adoptada uma receita semelhante. Aumentou o desemprego, cresceu a xenofobia e o apoio ao totalitarismo político. Não se venceu a crise económica, expandiu-se a crise social, a legitimidade das democracias foi posta em causa e a competição no espaço europeu pela dominação do mundo desembocou na II Grande Guerra.

É certo que hoje a Europa já não é o centro do mundo e que as economias emergentes, como a China, a Índia ou o Brasil, jogam um papel que já não é só de mercados para as manufacturas europeias. Pelo contrário, reclamam uma Europa afluente para colocar os seus produtos, o que pela primeira vez nos últimos milénios pode colocar o velho Continente na periferia da história mundial.

Em Portugal, por alturas da crise de 29, também tivemos a nossa lição. Um certo ministro das finanças conseguiu o milagre de colocar as contas do estado em dia, mas mergulhou o país num processo de subdesenvolvimento que durou meio século.

Tudo nos é apresentado como se não houvesse outro caminho. Como se a aceitação dos sacrifícios tivesse de ter exactamente o formato que tem.

Ora, seria possível uma maior solidariedade dentro do maior mercado do mundo (que poderia ter outros mercados como aliados) para responder aos ataques que uns dizem ser do mercado (como se o mercado fosse mais do que um conceito), mas que são dos especuladores. Seria também possível estabelecer regras mais duras (ajustadas à dimensão do problema) de controlo dos segmentos especulativos e inúteis do sistema financeiro.

A nível nacional, seria possível adoptar políticas de maior equilíbrio e compromisso entre o crescimento da receita e a diminuição da despesa, de modo a reduzir o défice preservando o investimento, o crescimento económico e o emprego. Cuidando dos mais fracos. Tirando partido daquilo que é a vantagem da Europa, a qualidade das suas sociedades. Não aceitar as regras do liberalismo, mas voltar aos princípios que melhor funcionaram, os do socialismo democrático, com preocupações de eficiência económica, mas também de justiça social, ela própria um activo económico determinante

publicado por cafe-vila-franca às 22:26

Maio 15 2010

 Na semana que hoje termina tomaram-se decisões políticas de consequências vastas e potencialmente devastadoras. A sua visibilidade pública não foi proporcional à importância que têm. Tudo porque a comunicação social alinhou incondicionalmente, tal como diversas figuras e instituições de um estado que deveria ser laico, na enorme e eficaz campanha de propaganda montada pela Igreja Católica Apostólica Romana em torno da visita do Papa Ratzinger a Portugal. Não me encontro entre os que condenam a “operação Papa” pelos gastos que envolveu num tempo em que se pedem sacrifícios a todos. Ao fim e ao cabo, julgo que sem consumo não há estímulo à produção e, portanto, ao crescimento económico. É certo que se poderia gastar melhor o dinheiro, mas isso são contas de outro rosário, a que voltarei em breve. Tão pouco alinho no coro dos que condenam a Igreja pelos “erros do passado”. Do mesmo modo que não me sinto culpado pela expansão colonial, não creio que a igreja tenha de ser responsabilizada pela Inquisição. O que me perturba é que a Igreja de hoje, com este papa, tenha reforçado a tendência conservadora, direi mesmo reaccionária, que João Paulo II semeou. Condeno, pois, o anacronismo das ideias do papa. Fartei-me de ouvir comentários a traços particulares da personalidade de Ratzinger. Mas não compreendo como se pode calar o facto de, mal chegado ao nosso país, ter feito questão de elogiar a figura de Cerejeira. Mostrou sem vergonha – que igualmente não teve quando encobriu o crime de pedofilia na sua igreja – em que equipa alinha. E tudo se tornou mais claro quando reiterou as mais impiedosas invectivas contra as leis de despenalização o aborto ou o casamento entre homossexuais, em nome de uma ideia de família que nada tem a ver com as pessoas de hoje. Ou melhor, que tem, mas no mau sentido. Porque são contra os direitos das mulheres. Porque se baseiam numa moral sexual retrógrada e fundamentalista, para além de hipócrita. Dificilmente se podem discutir as questões da fé. Ou se tem, ou não se tem. Isso não desobriga os crentes e os não crentes de se respeitarem mutuamente. Todos sabemos hoje que a fé pode conviver com a tolerância (embora apareça muitas vezes associada à crispação e à violência) e que a ética progrediu com a sociedade, modificando o que se julga ser o bem e o mal. O sector conservador da Igreja ainda não o percebeu. Por isso faltam as vocações, as práticas religiosas diminuem e a obediência aos ditames da Igreja é cada vez mais rara mesmo entre os cristãos. Não é fácil conciliar a ideia de que todos nascemos iguais em direitos e deveres, com a do pecado original de que não temos culpa nenhuma. Nem é fácil conciliar a subalternização da mulher na sociedade com a evolução da igreja, cada vez menos cristã e mais mariana. Os cultos às deusas (de Fátima, do Pilar ou de todas as outras das terras de Santa Maria, a que os próprios papas têm de se render) estão demasiado marcados na memória colectiva para aceitaram sem protesto a exclusão de “metade do céu”.

publicado por cafe-vila-franca às 09:37

Maio 03 2010

A lista A, alternativa à actual direcção do PS no concelho de Vila Franca de Xira, subiu muito significativamente a sua votação. Há dois anos a mesma lista tinha eleito (já então de forma surpreendente, dado o peso da concorrência) apenas 15 membros da CPC, contra 30 da lista B. Agora a relação foi de 20 para 25.

O meu sobrinho Luís Capucha Pereira, em cometário neste blog, diz que isso pouco significa, porque a ruptura dentro do PS é impossível. Eu concordo com ele num ponto: num partido reformista as clivagens ideológicas dificilmente serão radicais. Mas para produzir a mudança há que contar tanto com a ideologia como com a leitura correcta das possibilidades de a fazer acontecer. Como diria Marx, o importante não é contemplar a realidade e tecer sobre ela grandes considerações ideológicas mais ou menos dogmáticas, por exemplo, sobre o que é ser de esquerda.  Geralmente, as teorias do tudo ou nada levam ao nada. Ou ao menos nada. Nada menos do que esquecer o que significa ser de esquerda: trabalhar no sentido de uma maior justiça social, de um melhor equilíbrio ambiental, de uma economia mais produtiva e mais responsável.

Não sou perfeito nem o são os outros membros da lista A. Também não diabolizo os da lista B. Apenas condeno o modo como se instalaram no poder e como o exercem a favor de interesses que não têm produzido bons resultados para o concelho de Vila Franca de Xira. E concluo a partir dos resultados das eleições que ainda há espaço para, trabalhando bem, fazer no PS aquilo que deve ser feito: levar o partido a ser o motor das reformas a favor de um concelho mais desenvolvido, equilibrado e sustentável. Muita gente percebeu que a alternativa hoje está mais clara: ou o PS muda para poder representar os interesses da população, ou o risco da direita ganhar as próximas eleições é muito grande.

publicado por cafe-vila-franca às 20:13

No Café Vila Franca, como nos cafés da trilogia de Álvaro Guerra, os personagens descrevem, interpretam e debatem a pequena história quotidiana da sua terra e, com visão própria, o curso da grande história de todo o mundo.
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