As políticas para a qualificação opõem a esquerda à direita
A pré-campanha eleitoral decorria em tom aceso e totalmente centrada nas questões financeiras e económicas que o nosso país enfrenta nestes tempos de crise. Mono-temática. Até que Pedro Passos Coelho (PPC) veio atacar a Iniciativa Novas Oportunidades acusando-a de “certificar a ignorância”.
Julgo que é positivo que o país discuta outras matérias para além do empréstimo e da troika. Acho que é mesmo muito positivo que tenha sido colocada em cima da mesa uma questão, a das qualificações dos portugueses, que já era determinante antes da crise e que o passou a ser ainda mais, porque delas depende a nossa capacidade de voltar a crescer, de combater o défice da balança de pagamentos e o défice da dívida pública, de modernizar a economia e torná-la mais inovadora e competitiva. Para além dos efeitos que têm sobre a qualidade da sociedade e da economia, que são igualmente condições incontornáveis de bem-estar dos cidadãos e de desenvolvimento.
O debate não podia deixar de produzir uma forte polarização entre a esquerda e a direita. Paulo Portas acrescentou a PPC que a Iniciativa Novas Oportunidades era de facto de “novas facilidades”, enquanto o Partido Socialista e os outros partidos de esquerda, uns mais convictamente do que outros, vieram a terreiro tomar posição a favor da Iniciativa.
As qualificações têm esta propriedade magnética de polarizar as diversas ideologias políticas. Porque elas determinam, de forma profunda, a distribuição das oportunidades de vida e de trabalho. O acesso a qualificações escolares e profissionais é, hoje em dia, o principal instrumento de mobilidade social. Por isso à esquerda se defendem sistemas de educação e formação que proporcionem igualdade de oportunidades e justiça social, orientação traduzida na fórmula “excelência e equidade”. Isto é, defendem-se políticas que visam a qualidade e a inclusão escolar. Uma boa escola e uma boa formação, acessível a todos.
Por sua vez, a direita defende a segregação de vias de ensino, o acesso limitado às modalidades e instituições (nomeadamente os colégios privados) melhor equipadas para onde pretende transferir os meios públicos de modo a assegurar à custa de todos a reprodução das elites (as medidas educativas colocam no centro das preocupações mecanismos de selecção e exclusão), deixando às escolas públicas, cujas condições não importa que se degradem (veja-se o que dizem os partidos de direita sobre o programa da Parque Escolar), o papel de continuar a produzir mão-de-obra barata e pouco qualificada, que alimente um mercado de trabalho assente no baixo custo do trabalho e não na inovação e na competitividade dos factores produtivos.
Mais justiça social ou reprodução das desigualdades, eis, de forma sintética, o que divide as políticas de educação de esquerda e de direita. Basta consultar os programas eleitorais dos diferentes partidos para que essa diferença se torne clara.
A reforma dos sistemas de educação e formação é a principal marca da governação socialista dos últimos anos. Ela permitiu um investimento sem precedentes em políticas que trouxeram qualidade e igualdade de oportunidades a toda a população. A aposta na escola pública como base de uma educação e formação democrática e acessível a todos; o alargamento do pré-escolar; o combate ao insucesso escolar e o reforço das aprendizagens básicas das crianças e jovens (com resultados visíveis no PISA), ao mesmo tempo que se instituiu a escola a tempo inteiro e se enriqueceu o currículo do primeiro ciclo; a reorganização da rede escolar, fechando escolas sem condições mínimas e criando centros escolares e escolas secundárias bem equipadas e modernas, onde se possa desenvolver um trabalho de excelência; o plano tecnológico da educação; e, principalmente, a Iniciativa Novas Oportunidades.
No eixo destinado aos jovens a Iniciativa Novas oportunidades produziu um aumento exponencial do número de alunos (incluindo, pela primeira vez num cenário de diminuição da dimensão das gerações, o aumento do número de candidatos e de entradas no ensino superior), devido à expansão do ensino profissional, fazendo cair o abandono escolar precoce e permitindo transições adequadas dos jovens para a vida activa. No eixo adultos trouxe de volta à escola mais de 1.5 milhões de portugueses, 520.000 dos quais já se certificaram. Conforme mostram diversos estudos independentes conduzidos por especialistas de elevada reputação nacional e internacional, essas pessoas não apenas elevaram as suas qualificações formais, como também viram melhoradas as suas competências em todos os domínios do saber, do saber fazer, do saber estar e do saber ser, tendo ainda melhorado o ambiente educativo nas famílias. Os métodos que utiliza são os que todos os referenciais técnico-científicos internacionais dizem ser os adequados à educação e formação de adultos. Os mecanismos de avaliação das competências sãoem geral rigorosos. São, seguramente, diferentes dos métodos escolares mais tradicionais. Mas isso não representa uma desvantagem, ou uma cedência ao facilitismo. Fácil seria manter os portugueses arredados do conhecimento, da formação e da aprendizagem.
A facilidade de abandonar os mais modestos e desistir do esforço de qualificação não foi o caminho escolhido nem pelos cidadãos, nem pelos promotores (escolas, centros de formação, empresas, associações, autarquias), nem pelo governo. O caminho escolhido foi o do trabalho para valorizar aqueles que sempre trabalharam e que pretendem continuar a fazê-lo, com novas capacidades e novos saberes.
Se dúvidas houvessem sobre este significado da Iniciativa, bastaria olhar para os parceiros sociais e para as empresas e ver o modo como apreciam a Iniciativa, considerando-a uma aposta indispensável e um investimento no capital humano que elas sabem melhor que ninguém ser o factor mais determinante do seu e do nosso futuro.
A Iniciativa Novas Oportunidades não teria entrado no debate eleitoral como entrou se não tivesse tido o sucesso que teve. É este sucesso que irrita a direita. Entrou pela mão do presidente do PSD. Com uma intervenção que tem tanto de irresponsabilidade e ignorância acerca do que fala, como de preconceito para com um programa que repõe justiça na nossa sociedade. Acusou as pessoas que tiveram a coragem de dar o passo do regresso à escola de beneficiarem da “certificação da (sua) ignorância”. Depois, já em recuo, acusou-os de serem figurantes numa mega-encenação política do governo. Para além da natural reação do Partido Socialista, as próprias pessoas lhe responderam, perguntando-lhe quem é o ignorante, se elas, se ele próprio, candidato a primeiro ministro que não sabe exactamente o que quer fazer com uma matéria tão estratégica como a educação. Limita-se a repetir o preconceito ultra liberal de privilegiar os colégios privados em prejuízo da escola pública.
A repulsa provocada pelos ataques torpes à Iniciativa Novas Oportunidades não nos pode toldar o sentido crítico. O país pôs-se em movimento. Mais pessoas implicam necessidades diferenciadas. A diversidade – respeitados os padrões de qualidade e a equivalência dos resultados – deverá aprofundar-se. A relação entre a aprendizagem e a sua utilização – por outras palavras, entre o que se aprende e a forma como o saber é utilizado nas comunidades e nos locais de trabalho – é um dos aspectos mais determinantes do futuro. O mais decisivo, porém, é assegurar que no futuro se mantenha a prioridade dada às qualificações. Não se pode voltar atrás e é preciso ter ideias claras sobre o caminho a percorrer. O que passa por responder à altura, no dia 5 de Junho, à provocação do Dr. Pedro Passos Coelho.