Vai abrir em Vila Franca mais uma grande superfície chinesa. Como disse o meu amigo José Manuel Teles, "e então? Não estamos num mundo global?" Tem parte da razão. A emigração chinesa está a invadir África, América, Europa e tantos outros sítios, que mais esta grande superfície nada parece ter de novo.
De resto, Vila Franca sempre foi terra de comércio livre. Por isso se chama Franca. E sempre atraiu pessoas, vindas dos mais distintos lugares, para aqui fazerem a sua vida, com detaque para o comércio. Nunca foi, nem deve ser, uma terra de portas fechadas. A sua identidade é resultado de um longo processo histórico de interacção das pessoas com um contexto marcado pelo rio, pela Lezíria, pelas colinas da margem direita, pelas fábricas e armazéns que acompanham a nacional 10. Algumas dessas pessoas tinham e têm raizes familiares prolongadas na terra, outras foram chegando de novo e foram-se integrando na vida da cidade. Em toda a sua vida. Tiornavam-se vilafranquenses de corpo inteiro.
Nada podemos ter, por isso, e em abstrato, contra a chegada dos chineses. Mas, como muitos têm observado, eles têm uma atitude diferente do usual. Parce que não se mesclam com os outros. A verdade é que estão a preencher cada vez mais espaço no comércio local, e isso é uma forma de interagir com a restante população. Já não são as lojas dos 300 que vendiam produtos chineses de há uma década atrás, nem algumas lojas dos chineses que vendiam um pouco de tudo a preços convenientes (e correspondentes à qualidade das mercadorias). São superfícies cada vez maiores, cada vez mais em maior número e com estratégias de diversificação dos produtos. Insisto, até aí, nada de mal. O problema é que a essa expansão, ao contrário do que aconteceu com os anteriores imigrantes, corresponde um nítido recuo do comércio promovido pelos antigos e novos comerciantes de outras origens. Criam-se mais espaços comerciais do que novas igrejas e espaços de culto, que vão preenchendo outros locais de referência vilafraqnuense.
Quem domina o território e a economia acabará por dominar a cultura, o ambiente social e a própria política.
Tenho a impressão que, face ao recuo dos comerciantes tradicionais, que sempre foram um grupo âncora da identidade local, se corre o risco de criar um ambiente anómico. A ausência de referências culturais locais estruturantes, ou melhor, a perda de peso relativo de grupos que sustentem a identidade cultural local, pode dar origem à descaracterização da cidade.
A contestação às esperas de toiros nalgumas das ruas tradicionais é um primeiro sinal.
Há que proporcionar condições e oportunidades para que a chegada de novos imigrantes possa ser feita com a recomposição identitária que faz de uma cidade um espaço cultural vivo e dinâmico, mas reconhecível na sua especificidade.
Se não, qualquer dia, em vez do nosso nome, passaremos a chamar-nos "Vila Franca de China".