Dezembro 20 2012

Entre os dias 10 e 18 deste frio mês de Dezembro em Portugal fui acolhido pelo calor húmido e cálido de Timor Leste. Agradeço à Universidade Nacional de Timor Leste e aos alunos do mestrado em serviço social a oportunidade de lá ter ido.

Não foi a primeira vez. Na outra vi mais paisagens espetaculares, viajei mais, mas aprendi menos. Fui em representação da Ministra da Educação à II Conferência sobre a Educação em Timor Leste (2009). A Conferência teve um grande nível, mas acontece que ao representante de um ministro não se contam as mesmas coisas que se contam a professores.

Timor Leste é deslumbrante. Para além da simpatia das pessoas, que reconheci, e da beleza selvagem das paisagens, que recordei (desde a praia na baía de Dili até ao topo dos 3 mil metros das montanhas), este país tem algo mais interessante para observar. Desde a indiependência têm vindo a ser lançada as bases do Estado. Por isso, TL é um verdadeiro laboratório para o estudo das políticas públicas.

Não é fácil construir um Estado de direito, a partir do nada. A sociedade de Timor Leste atravessou séculos como colónia portuguesa e, de modo menos durável, foi tomada por outros ocupantes, que ali montaram os seus postos militares e comerciais sem grande ligação às populações locais, as quais foram vivendo numa espécie local de feudalismo, até aos nossos dias. Agora tem o compromisso de criar um estado moderno e, por vontade própria, de lhe conferir uma matriz social, num quadro de convivência entre a economia de subsistência e a economia do mercado global do petróleo.

A construção do estado nacional está assim a conquistar, com esforço e enfrentando de resistências de todos os tipos, o seu espaço entre, por um lado, os poderes tradicionais das famílias antigas e com raiz nobiliárquica (os "reis", os chefes de aldeia e das tribos) e, por outro lado, as organizações internacionais, os dadores e os cooperantes muitas vezes mais concentrados nas suas agendas e posições do que nos reais problemas a resolver.

Testemunhei um esforço enorme para que a construção do Estado não esqueça a componente social. Está em curso ou em preparação um vasto programa de investimento na qualidade da sociedade, na educação, na luta contra a pobreza, o desemprego e a fome; de construção de infraestruturas básicas de saneamento, acesso à água e às comunicações; de inserção social de grupos como os ex-combatentes, as mães solteiras e viúvas, os idosos e as pessoas com deficiência e todos os atuais e futuros beneficiários de um novo sistema de pensões. Os líderes timorenses estão a fazer a escolha certa por um Estado social.

Outro caminho seria muito perigoso. Não basta a segurança e os tribunais para resolver os graves problemas de uma pobreza extrema muito extensa, do desemprego em massa de jovens que se amontoam indigentes nas ruas da cidade, das crianças a pedir na rua ou a tomar conta dela. A economia está a crescer de forma acelerada, e isso é bom, mas apenas se todos beneficiarem. Ora, as desigualdades dispararam e apenas começam agora a ser ligeiramente atenuadas.

Nota-se nas conversas e nas ruas a tensão resultante dos desequilíbrios que esta situação está a criar. São más as notícias de crescimento do grupo violento e belicoso de rebeldes do chamado Comité Popular para a Defesa da República Democrática de Timor Leste. Os seus anseios de poder, refratários a qualquer ideia de instituição democrática, alimentam-se da miséria alheia.  

Saí de Dili com um forte desejo de que a clarividência dos que pretendem um estado democrático, moderno e justo em Timor Leste, com uma economia de mercado diversificada e sustentável, encontrem em si e no seu povo todas as forças para combater simultaneamente o regresso à instabilidade e à violência, o atavismo da economia de subsistência e a ganância dos que só pensam no seu próprio enriquecimento.

Um abraço à Glória, à Fátima, à Rita, ao Fernando, ao Vasco, ao Prof. Francisco Martins, aos meus alunos, ao pessoal do Hotel Timor e a todos os que me tornaram mais fácil e agradável o trabalho em Dili.

publicado por cafe-vila-franca às 23:15

No Café Vila Franca, como nos cafés da trilogia de Álvaro Guerra, os personagens descrevem, interpretam e debatem a pequena história quotidiana da sua terra e, com visão própria, o curso da grande história de todo o mundo.
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