Dezembro 08 2013

O PISA (não confundir com Pisa, cidade italiana onde existe uma bela torre inclinada) é um estudo internacional realizado em cerca de 60 países da OCDE que visa medir o que os jovens de 15 anos realmente sabem e a que nível sabem usar (as tarefas que conseguem completar) os seus conhecimentos na área da matemática, da leitura e das ciências. Independentemente dos níveis de escolaridade atingidos. Existem outros estudos do mesmo tipo realizados regularmente pela OCDE.  Dirigidos a crianças mais jovens, com o 4º e o 8º no de escolaridade, existem o TIMMS na área da matemática e das ciências e o PIRLS para a área da leitura. Ainda da responsabilidade da OCDE é o PIAC, o estudo que avalia as competências dos adultos, em que Portugal participou no passado, mas que Crato decidiu sair na última série à última hora, obviamente com medo daquilo que o estudo iria pôr em evidência sobre os impactos da Iniciativa Novas Oportunidades nas aprendizagens e competências de mais de um milhão de portugueses.

Como se disse, o PISA avalia as competências efetivamente possuídas pelos jovens , com base numa escala que varia entre 1, que representa graves défices, e o nível 5, que representa níveis de excelência. Assim, podem-se não apenas calcular valores médios, mas também a prevalência dos valores extremos e a distribuição dos jovens pelos cinco níveis da escala em cada um dos domínios (leitura, matemática e ciências).

Estes estudos têm um grande interesse, razão pela qual os seus resultados têm tanto eco mediático, político e na comunidade educativa. Em primeiro lugar, ao comparar os resultados da aprendizagem em praticamente todos os países desenvolvidos do mundo, permite obter uma imagem do nível de desempenho do sistema de ensino de cada um desses países e estabelecer comparações relevantes. O desempenho é avaliado não apenas em sentido absoluto, mas de forma mais fina, por exemplo mostrando até que ponto o sistema de educação de cada país é capaz de atenuar as desigualdades de origem social dos alunos. Em segundo lugar, como a sua realização é repetida numa série longa de anos, pode-se obter não apenas uma imagem da estrutura das qualificações dos jovens, mas também a sua evolução.

Os resultados das últimas vagas do PISA têm sido muito positivos para Portugal. Ao contrário dos exames que se realizam no país, os quais mostram resultados piores, não porque os alunos sejam menos sabedores, mas porque são feitos de modo a evidenciar o que eles não sabem, ou melhor, o que apenas uma parcela deles, muito privilegiada, domina, desvalorizando assim as capacidades dos alunos médios. A OCDE, por seu lado, afirma serem as “repetências” um dos principais problemas da nossa educação e um dos obstáculos ao sucesso dos alunos com maiores desvantagens de partida.

Em 2000, 2003 e 2006 os resultados de Portugal colocavam-nos na cauda dos países participantes, ao pé da Turquia e do México. Agora estamos perto, ou até acima, da França, da Alemanha, da Suécia ou da Bélgica. Éramos dos piores, passamos para os níveis médios, junto dos maiores e mais ricos países europeus.

Assim, em matemática, a média portuguesa era 454 em 2000, subiu ligeiramente para 466 em 2003 e 2006, tendo depois saltado para 487 em 2009 e 2012. Em leitura, os resultados médios foram de 470, 478 e 472 respetivamente em 2000, 2003 e 2006, subindo para 489 em 2009 e 488 em 2012. Já no caso das ciências, fomos subindo de 459 em 2000, para 468 em 2003 e 474 em 2006, tendo-nos o salto para 2009 colocado no patamar de 493, valor que desceu ligeiramente para 489 em 2012.

Os resultados em matemática subiram 21 pontos percentuais entre 2003/2006 e 2012, os de leitura e ciências  15 pontos. A proporção de alunos com níveis mais baixos em matemática e ciências (níveis 1 e 2) desceu 5pp. no período 2006/2009-12 e os que se situam no nível mais elevado cresceu 5,5pp em matemática, 2,4 em leitura e 3,4 em ciências.

Além da melhoria dos resultados em geral, os estudos do PISA surpreenderam ao mostrar que Portugal é um dos países em que o sistema educativa se revela mais eficaz na minimização dos efeitos que a origem social dos jovens tende a produzir no seu desempenho e oportunidades de aprendizagem. Na verdade, o estudo inclui um Índice de Estatuto Económico, Social e Cultural que em 2009 colocava 33,5% dos inquiridos nos níveis mais baixos da escala social, o que não impediu a progressão registada. Em 2012 a situação económica, social e cultural tinha-se agravado (39,8% dos jovens no nível inferior, quando a média na OCDE era de 15,4%), o que reforça a conclusão tirada. A posição de Portugal quanto aos resultados dos alunos mais pobres em matemática passou, entre 2006 e 2012, de 23º para o 5º lugar, entre todos os países participantes.

Portugal deu portanto, como os dados revelam, um grande salto entre 2006 e 2009, o que provocou elogios explícitos por parte da OCDE. Alguns dos críticos da política educativa, que nessa altura era protagonizada por Maria de Lurdes Rodrigues, apressaram-se a dizer que havia manipulação dos dados. Mas a confirmação desses resultados em 2012 vem revelar que essa acusação apenas mostrava má-fé.

Apesar de tudo, terá de ser levantada uma questão: porque não se continuou o percurso ascendente, tendo-se verificado uma estabilização e, até, algum recuo de pormenor? Para o fim do texto ensaiamos a resposta.

A que se deveu a mudança nos resultados do PISA? Posta a questão noutros termos, o que é que mudou entre 2006 e 2009? As escolas eram as mesmas, os professores também, os recursos idem e os jovens não seriam muito diferentes nos dois anos.

O que mudou foi a política. Mudou numa linha de maior continuidade do que rutura com as orientações que vinham do tempo de David Justino, mas acrescentando-lhes alguns elementos e principalmente a capacidade de passar das ideias no papel para a prática. Isso apesar da resistência dos interesses corporativos que dominam e minam o nosso sistema, aliados objetivos dos governantes reacionários que agora temos e que nos estão a fazer recuar para práticas educativas orientadas para os conteúdos e não para as competências, comuns há 50 anos atrás, mas que todos os países modernos abandonaram.

Entre 2009 e 2012, com a atual cratinice no governo, porque se mantiveram os resultados em níveis positivos? Porque os jovens que foram inquiridos em 2012 são ainda os que foram abrangidos pelas políticas implementadas entre 2005 e 2011. São os que beneficiaram do Plano Nacional de Ação para a Matemática, do Plano Nacional de Leitura, dos novos programas de matemática e português para o básico, do reforço do trabalho cooperativo entre professores nas escolas, do reforço do ensino experimental das ciências, do Plano Tecnológico, do reforço e alargamento (triplicação) da ação social escolar, do redimensionamento da rede escolar, da educação especial centrada nos alunos com necessidades educativas especiais de caráter permanente, da focalização na qualidade dos processos educativos orientados para resultados (e.g. a devolução aos professores dos resultados dos seus alunos nos exames e provas de aferição, de modo a poderem rever o seu trabalho), da avaliação não apenas dos alunos, mas também dos professores e das escolas, cuja autonomia entretanto se reforçou, num processo que apenas deu os primeiros passos. Isto apenas para citar uma parte do grande esforço feito então.

Face a estes resultados, qual a justificação do governo para introduzir tantas mudanças na educação como tem feito? O MEC tem vindo a pôr fim ao pouco que se tinha avançado no campo da autonomia das escolas (o ministério decide tudo centralmente, até o tamanho das turmas, anormalmente alto), decidiu-se pelo despedimento de professores, pelo fim de tempos letivos utilizados para desenvolver projetos integradores nas escolas, pelo aumento da dimensão das turmas, pelo fim ou desvitalização do PNL e do PNAM e de outros programas, pela substituição dos programas de português e de matemática por metas aberrantes ou por outros programas de fraca qualidade, criticados por todos os profissionais e especialistas do setor, que aliás nem sequer foram ouvidos. Degradou o ambiente nas escolas, instituiu uma mistura entre autoritarismo e falta de clareza (quando não a própria contradição) nas orientações como princípio de regulação do sistema, cortou em tudo menos no apoio às escolas privadas.

Do mesmo modo que os resultados do PISA agora são o produto das opções de há anos atrás, também os erros (nalguns casos a roçar o crime) do atual governo só se notarão daqui a alguns anos. Nessa altura já o miserável Crato estará fora de cena (hoje já seria tarde) e se calhar escapará à punição devida. Mas será ele, e o primeiro ministro, os responsáveis por um declínio que por enquanto apenas se ensinua na interrupção do trajeto ascendente, mas que daqui para a frente nos voltará a colocar nos patamares de 2000, 2003 e 2006.

Gostaríamos de terminar com duas curiosidades. Os resultados da Alemanha, semelhantes aos de Portugal, são de desconfiar. Há muito que nesse país se discute a bondade da prevalência do sistema dual. O mesmo que o governo agora quer trazer para o nosso país, embora não tenhamos quaisquer condições ou interesse nisso. A proporção dos alunos alemães nesse sistema tende a situar-se à volta dos 70% e a isso se têm atribuído resultados menos bons no PISA. Este ano melhoraram. Mas uma olhadela na composição da amostra revela que os alunos do sistema dual quase desapareceram. Estaremos perante uma amostra “mágica” para ocultar as deficiências do sistema?

O governo português também advoga aquilo que se tem chamado a “liberdade de escolha”, isto é, o financiamento pelo estado das escolas privadas que depois selecionam os seus alunos de modo a ficar só com os de classes mais favorecidas. Costumam os defensores desse processo de privatização dar o exemplo da Suécia como país que em 90 instituiu esse sistema. Pois foi. Será por isso que a Suécia, que se situava muitos furos acima de Portugal em 2000, tem vindo a perder terreno, tendo mesmo os jovens suecos sido ultrapassados pelos portugueses, de forma inequívoca, em 2012?

Uma nota final para os que acham que a educação não conta. Não vou mencionar Nelson Mandela e as suas declarações acerca do papel principal da educação na mudança do mundo. De forma mais modesta direi apenas que a OCDE, num relatório de 2010, estima que a produtividade por hora trabalhada dos portugueses poderia ser mais de 14% superior se a escolaridade da nossa população ativa tivesse um nível de escolaridade semelhante à dos EUA. São precisas mais evidências de que precisamos de voltar aos trilhos do sucesso educativo?

publicado por cafe-vila-franca às 13:53

No Café Vila Franca, como nos cafés da trilogia de Álvaro Guerra, os personagens descrevem, interpretam e debatem a pequena história quotidiana da sua terra e, com visão própria, o curso da grande história de todo o mundo.
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