Agosto 30 2020

Recentemente publiquei um conjunto de ideias, sem qualquer pretensiosismo e ao correr da pena, sobre o oportunismo. Prometi que voltaria para falar da permeabilidade das instituições aos oportunistas, colocando uma questão: são todas elas igualmente penetradas pelos oportunistas, ou algumas são as suas favoritas, aquelas em que realmente se sentem em casa?

Na verdade, os oportunistas movimentam-se sobretudo em ambientes eu reúnam duas condições. A primeira é a relevância na definição de regras e na distribuição de recursos de tipos muito diferentes: económicos, sociais ou culturais. A segunda é a prevalência de culturas institucionais mais orientadas para a conservação do que para a inovação. Em particular atraem-nos as organizações burocráticas em que a rotina prevalece sobre a mudança e que possuem o poder de definir regras sobre como aceder a recursos. Sendo certo que as instituições muitas vezes começam como respostas inovadoras a problemas emergentes, com o tempo acabam regularmente por se arrastar na reprodução de procedimentos meramente administrativos. Mesmo quando os problemas que as originaram deixam de existir, os oportunistas aparecem nesta última fase, quando a ação predominante visa a gestão do “stock” de recursos e não a sua criação ou crescimento acelerado.

Em resumo, os oportunistas não estão nunca envolvidos nos processos de inovação, nem dos produtos nem dos processos, nem do lado dos criativos, ou sequer entre as forças de progresso de uma sociedade (independentemente do quadrante político em que se situem). Quando uma instituição não inova, mas copia e repete, é seguro que foi já tomada por uma burocracia de oportunistas.

Em ambientes institucionais pouco dinâmicos, mas que geram poucos recursos, é raro encontrá-los. Por exemplo, é muito incomum que se desgastem no associativismo popular, no qual é indispensável muita perseverança e paciência (qualidades de que os oportunistas estão sobrados), mas onde não são muitas as recompensas, para além da satisfação pelo serviço público prestado, valor completamente desinteressante para os oportunistas. O máximo que podem obter nas associações populares é protagonismo, que pode servir de trampolim para outros lugares (por exemplo, nas autarquias). Porém, nas associações, se lá estiverem, ficam por pouco tempo.

Os oportunistas dão-se bem em empresas instaladas numa posição dominante e pouco ameaçada no mercado. Nessas empresas não procuram os departamentos de pesquisa, inovação e marketing, mas as estruturas de organização da produção ou controlo financeiro. Chegam a lugares de relevo na hierarquia à custa da “graxa”, destacando-se como bufos, até que conseguem alcançar posições que lhes permitem bufar dos próprios chefes que engraxaram para ocupar os seus lugares. Esses chefes julgam que os têm na mão, mas enganam-se e quando reparam que foram vítimas do veneno que estimularam, estão acabados.

Já em empresas muito expostas à concorrência e em que não basta imitar e seguir as tendências do mercado, mas em que é preciso competir, inovar, criar, dão-se mal. Não têm nem a imaginação, nem a capacidade de aprender, nem a coragem de se expor ao erro, desbravando caminhos nunca antes percorridos. Porém, se uma empresa percorre esses caminhos, estarão na disposição de se sujeitar a carregar as bagagens na expectativa de que ela se instale numa zona de conforto, ponto em que conspirarão com outros oportunistas para excluir os pioneiros e ocupar os lugares de topo na organização.

Mas as empresas, embora gerem e distribuam muitos recursos, têm pouca capacidade de definir ou impor regras, embora sejam boas a influenciá-las. Nisso os oportunistas são especialistas, dada a particular inclinação para se insinuar e seduzir.

É assim que encontram nas organizações do Estado, aos diversos níveis, e nos Partidos Políticos, a “sua casa”. Em contextos não democráticos servem o ditador. Rodeiam-no, até. Os ditadores não gostam em geral de quem não se contente com o status quo, se inquiete ou interrogue demais. Por isso se rodeiam de oportunistas que são bons na aceitação acrítica das ordens e na sua execução sem rebuços, sejam elas quais forem, se essa for a forma para se manterem na crista da onda.

Quando se dão reviravoltas, com passagem de um ditador para outro ou da ditadura para a democracia, rapidamente se reconvertem, oferecendo os seus serviços ao novo regime com o mesmo cinzentismo com que serviram o anterior. Nas primeiras vagas protegem-se, escondem-se, deixam passar a bernarda tentando passar despercebidos, para depois, mais ou menos lentamente, deitarem a cabeça de fora e irem emaranhando pelas escadas do poder acima.

Escondidos nos momentos de turbulência, evitando polémicas que chamem a atenção sobre si antes de se encontrarem bem estribados, mesmo em regimes democráticos, prosperam. Sabem como ganhar eleições, enganando os incautos, que são a maioria. Seduzir é importante e os oportunistas sabem como fazê-lo (atenção, nem todos os sedutores são oportunistas). A capacidade de sedução é essencial para ganhar eleições. Para seduzir seguem a tática de Cortez, o conquistador espanhol que no século XVI destruiu o império Asteca somando os ódios dos povos subjugados aos astecas, os quais julgaram poder vingar-se aliando-se ao ocupante na crença de que ele os libertasse, como prometido. Entretanto, tornar-se-iam tão vítimas como os dirigentes astecas, que quando perceberam o logro em que tinham sido envolvidos, era tarde demais. Todos foram dizimados e uma nova ordem se instaurou. Também os incautos acreditam nas promessas dos oportunistas. E também na sua retórica contra as pessoas sérias e criativas: dizem que os sérios e criativos representam o perigo da desordem e do caos (eles são quase sempre pessoas inquietas), ao contrário deles próprios, que asseguram estabilidade. As pessoas geralmente têm medo de uma aventura fenomenal e excitante mas com fim incerto, agarrando-se a quem lhes promete segurança. Assim, os incautos, procurando a segurança, entregam-se nos braços oportunistas que tecerão a teia que os apanha desamparados como moscas desprevenidas.

(Aqui faço uma nota para lembrar que os regimes democráticos, como dizia Churchill, são os piores, à exceção de todos os outros, proporcionando aliás a única possibilidade de as pessoas sérias, em momentos de crise, ascenderem ao poder e encontrarem soluções para o bem coletivo, objetivo que nunca pode mobilizar os oportunistas, totalmente focados nas vantagens pessoais Não se faça qualquer leitura populista (oportunista) do que disse acima. A política não é má por definição nem os políticos são todos oportunistas. Pelo contrário, sem políticos sérios e criativos ainda hoje a humanidade habitaria as cavernas)

Assim ganham eleições e ocupam os aparelhos das instituições políticas como os partidos, os governos centrais e locais e os departamentos da administração pública. Nesses lugares distribuem os recursos entre si, dispensando apenas uma parte para alimentar a arraia miúda e mantê-la submissa – e até dependente de quem lhes dá a escola – e estabelecendo as regras que asseguram que o poder sempre lhes ficará nas mãos, pelo menos até que se esgote a fonte. Nesse caso, virão novamente pessoas sérias e criativas apontar alternativas e conduzir processos de mudança dessas instituições, o que farão até que se estabeleça um novo ponto de estabilidade e os oportunistas regressem aos aparelhos.

Assim, as instituições políticas oscilam entre breves períodos de abertura e inovação que se sucedem a crises, nos quais os oportunistas se eclipsam, e períodos mais longos de rotinas burocráticas, onde alcançam grande esplendor.

Passámos, portanto, sobre instituições pouco amigáveis dos oportunistas e por outras que oscilam entre períodos de turbulência e criatividade que os afastam, e longos períodos de estabilidade que são as suas preferidas, pois que nelas prosperam. Mas há outras que comportam em simultâneo as pessoas sérias e criativas e oportunistas. Mais precisamente, a convivência é a situação mais comum, com segregação de funções entre pessoas sérias e criativas e oportunistas. Por exemplo, nos partidos os oportunistas não estão nunca a escrever os programas ou a estudar o modo de fazer avançar o bem comum, tarefa para pessoas comprometidas com o coletivo. Estão a organizar listas de candidatos e a selecionar os que há que excluir (por exemplo, todos os que os topam) e distribuir lugares. Mas enquanto no primeiro tipo de organizações os oportunistas estão em escassa minoria nos cargos de direção, e no segundo estão geralmente em larga maioria, no terceiro tipo a divisão é estrutural. É o caso, entre outros, das Universidades.

As Universidades são as principais responsáveis pela produção da ciência e pela abertura de horizontes. Mas são antigas e conservadoras. Assim, comportam processos abertos de produção e comunicação científica, em contextos muito competitivos e exigentes. Na liderança dessas atividades estão professores e investigadores sérios e criativos. Esses estão na vanguarda do conhecimento e da inovação. Mas também comportam estruturas organizativas pesadas, em que prevalece o tráfico de influências e o paternalismo. Assim, professores e “investigadores” preguiçosos tendem a iludir as regras da transparência e a ocupar os cargos de direção em função dos favores prestados à cadeia de comando. Estes parasitam os primeiros, que mantêm o prestígio das instituições, de que os segundos muito bem sabem beneficiar.

Há ainda um outro ponto importante: a permuta de oportunistas entre instituições. Já falámos dos dirigentes associativos que procuram dar nas vistas fitando uma posição de poder político, nomeadamente no plano local. Outro fluxo relevante é o que se estabelece entre as Universidades e as instituições políticas, nomeadamente em duas situações: quando académicos sérios e criativos são chamados a ajudar a resolver diretamente (e não como é comum, através da produção de conhecimento) situações de crise, e quando dirigentes políticos oportunistas chamam académicos oportunistas para os partidos e para o aparelho de Estado, visando com isso ganhar credibilidade.

O fluxo mais importante, porém, é o que se estabelece entre as empresas e os sistemas políticos. Esse fluxo tem dois sentidos. Por um lado, as empresas nomeiam pessoal de confiança para influenciar (e decidir critérios de financiamento) o poder político ou mesmo para se transformarem em agentes políticos. Por outro lado, os agentes políticos oportunistas fazem de bom grado o seu percurso na política com a expectativa de vir a ser cooptados por empresas que lhes pagam muito acima dos seus reais méritos. Este é o fluxo mais perigoso e aquele a que temos de estar mais atentos, seja qual for o sentido, por ser o que mais negativamente pode afetar a democracia, a liberdade e a igualdade.

publicado por cafe-vila-franca às 10:11

Agosto 12 2020

O oportunismo é o atributo principal dos oportunistas. Falemos, pois, destes, ficando-se assim a perceber o que é o primeiro, ou melhor, como se concretiza.

Os oportunistas são pessoas que se caracterizam pela superior capacidade de escolher as oportunidades que a vida e o acaso lhes oferece para alcançar o sucesso pessoal que almejam.  O sucesso pessoal é avaliado em função de critérios egoístas, não interessando o bem comum ou a solidariedade, mas apenas as recompensas pessoais. O investimento na concretização do sucesso é aceite por ser proporcionalmente muito inferior às recompensas. Os oportunistas não se guiam por princípios, ideologias ou valores duráveis, os quais são mesmo considerados incómodos empecilhos que só atrapalham as suas ambições. Guiam-se sempre pelo cálculo pragmático das vantagens que podem obter em cada situação.

Os oportunistas são tipos espertos (em português politicamente correto escreve-se “Os/As oportunistas são tipos/as…) que colonizam instituições como partidos políticos, instituições do Estado (aos níveis local, regional e central), Universidades, empresas, sindicatos e outras que lhes ofereçam boas plataformas de prosperidade. O topo dessas instituições e a respetiva corte tende a ser ocupado por oportunistas, que afastam sem piedade as pessoas criativas e inteligentes que, ingenuamente, as transportam ao ponto de onde podem desferir os seus mortíferos golpes. O “triunfo dos porcos” de George Orwell ilustra bem a sua estratégia.

Como conseguem os oportunistas prevalecer sobre pessoas mais inteligentes, mais qualificadas e mais criativas? Usando sem escrúpulos e em doses adequadas a perseverança, a paciência, a intriga, a mentira e a corrupção.

O tempo ideal para os oportunistas não é o tempo de crise, em que há que escolher soluções adequadas em contextos turbulentos e em que aqueles que lideram a mudança ficam expostos ao escrutínio público. Nunca dão a cara por uma ideia nova ou controversa. Preferem os períodos de continuidade para se infiltrarem nas organizações, atuarem no escuro dos corredores e esperando a oportunidade, que não perdem, de estar no momento preciso no lugar certo, sem se desgastar com as convulsões geradas pelas grandes mudanças. Por isso conseguem colocar-se à frente de pessoas qualificadas, inteligentes e capazes.

Como modo típico de ação, começam por se colar aos que trazem ideias novas, imaginam futuros alternativos, relacionam saberes para encontrar novas soluções para velhos e novos problemas. Estes estão tão ocupados em fazê-lo que se esquecem da presença dos cinzentos e obscuros oportunistas. Os oportunistas ficam ressentidos, mas aceitam pacientemente o papel subalterno. São tenazes e persistentes, suportando até sem protestos qualquer infâmia. Os oportunistas estão sempre prontos para ajudar nas tarefas menores, de forma diligente, sem levantar suspeitas sobre as suas verdadeiras intenções enquanto penetram nos meandros do poder, ao ponto de se tornarem indispensáveis nas organizações, ocupando-se do trabalho que outros mais brilhantes recusam. Guardam, porém, o rancor, ocultam-no e escondem-se com competências camaleónicas. São medíocres, mas também cruéis e no futuro, enquanto esganam aqueles que parasitaram, perguntam-lhes ao ouvido se se lembram das canseiras por que passaram e dos trabalhos sujos que fizeram.

Uma vez ganha a confiança ou o beneplácito dos empreendedores dedicam-se à conspiração uns com os outros, porque se reconhecem coma mesma facilidade com que ocultam as intenções de terceiros enquanto não alcançam o poder. Isto acontece principalmente quando as instituições esquecem os ideais que presidiram à sua criação e se viram para a sua própria sobrevivência. Os oportunistas, em conjunto, desenvolvem então toda a espécie de intrigas de forma a convencer os cidadãos comuns de que os seus interesses de sobrevivência são os interesses de toda a organização, que eles serviram humildemente tanto tempo.

Quando um alcança o poder, rodeia-se dos seus semelhantes, néscios e incapazes que não lhe possam disputar o poder e se limitem a esperar pela sucessão que o controlo dos aparelhos lhes garante. Em vez de promoverem o que de melhor existe na instituição (ou no país) escrutinam e perseguem as pessoas com luz própria, para a apagar.

Intrigam ainda mais e preparam a sua vingança. O rancor gera a energia de que carecem para resistir e ambicionar o poder absoluto. Constroem sofisticadas redes de compadrio, cumplicidade e corrupção que amarram cada vez mais pessoas à sua estratégia.

Uma vez no topo, mantêm os ressentimentos mesquinhos, não sendo nunca capazes de transmitir qualquer visão interessante à instituição, que se enrola em rotinas autojustificativas, servindo de base para a apropriação ilícita e amoral dos recursos. Comportam-se como déspotas, perseguem as pessoas inteligentes, criam problemas artificiais apenas para manter o controlo da situação.

A vingança em relação às pessoas criativas e inteligentes, sobre as quais lançam o opróbrio e a ignomínia, inventando mentiras que farão com que pareçam verdades, fica consumada quando estas passam a ser vistas como perigosas para a estabilidade institucional, que os oportunistas asseguram (a estabilidade sempre foi o terreno preferido dos medíocres).

Lambuzam-se alarves, rindo dos que, brilhantes, não souberam (repito, estavam demasiado ocupados a resolver problemas) tirar partido pessoal (a medida de todas as coisas para eles) dos movimentos e mudanças que produziram. De boas intenções está o inferno cheio, declaram, para desvalorizar os protestos das suas vítimas.

E conduzem as organizações à lastimosa situação de chafurdar na lama que eles próprios asseguram ser abundante. Tão abundante que impeça a maioria das pessoas de ver uma saída. E assim se conservam no poder.

Haverá instituições com maior concentração do que outras? Esta é uma questão que por agora deixaremos sem resposta.

Luís Capucha

publicado por cafe-vila-franca às 16:46

No Café Vila Franca, como nos cafés da trilogia de Álvaro Guerra, os personagens descrevem, interpretam e debatem a pequena história quotidiana da sua terra e, com visão própria, o curso da grande história de todo o mundo.
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