Na semana que hoje termina tomaram-se decisões políticas de consequências vastas e potencialmente devastadoras. A sua visibilidade pública não foi proporcional à importância que têm. Tudo porque a comunicação social alinhou incondicionalmente, tal como diversas figuras e instituições de um estado que deveria ser laico, na enorme e eficaz campanha de propaganda montada pela Igreja Católica Apostólica Romana em torno da visita do Papa Ratzinger a Portugal. Não me encontro entre os que condenam a “operação Papa” pelos gastos que envolveu num tempo em que se pedem sacrifícios a todos. Ao fim e ao cabo, julgo que sem consumo não há estímulo à produção e, portanto, ao crescimento económico. É certo que se poderia gastar melhor o dinheiro, mas isso são contas de outro rosário, a que voltarei em breve. Tão pouco alinho no coro dos que condenam a Igreja pelos “erros do passado”. Do mesmo modo que não me sinto culpado pela expansão colonial, não creio que a igreja tenha de ser responsabilizada pela Inquisição. O que me perturba é que a Igreja de hoje, com este papa, tenha reforçado a tendência conservadora, direi mesmo reaccionária, que João Paulo II semeou. Condeno, pois, o anacronismo das ideias do papa. Fartei-me de ouvir comentários a traços particulares da personalidade de Ratzinger. Mas não compreendo como se pode calar o facto de, mal chegado ao nosso país, ter feito questão de elogiar a figura de Cerejeira. Mostrou sem vergonha – que igualmente não teve quando encobriu o crime de pedofilia na sua igreja – em que equipa alinha. E tudo se tornou mais claro quando reiterou as mais impiedosas invectivas contra as leis de despenalização o aborto ou o casamento entre homossexuais, em nome de uma ideia de família que nada tem a ver com as pessoas de hoje. Ou melhor, que tem, mas no mau sentido. Porque são contra os direitos das mulheres. Porque se baseiam numa moral sexual retrógrada e fundamentalista, para além de hipócrita. Dificilmente se podem discutir as questões da fé. Ou se tem, ou não se tem. Isso não desobriga os crentes e os não crentes de se respeitarem mutuamente. Todos sabemos hoje que a fé pode conviver com a tolerância (embora apareça muitas vezes associada à crispação e à violência) e que a ética progrediu com a sociedade, modificando o que se julga ser o bem e o mal. O sector conservador da Igreja ainda não o percebeu. Por isso faltam as vocações, as práticas religiosas diminuem e a obediência aos ditames da Igreja é cada vez mais rara mesmo entre os cristãos. Não é fácil conciliar a ideia de que todos nascemos iguais em direitos e deveres, com a do pecado original de que não temos culpa nenhuma. Nem é fácil conciliar a subalternização da mulher na sociedade com a evolução da igreja, cada vez menos cristã e mais mariana. Os cultos às deusas (de Fátima, do Pilar ou de todas as outras das terras de Santa Maria, a que os próprios papas têm de se render) estão demasiado marcados na memória colectiva para aceitaram sem protesto a exclusão de “metade do céu”.