Outubro 11 2015

Tenho lido e ouvido muitos comentários que afirmam restarem ao PS de António Costa três caminhos: ou consegue formar um governo de coligação (ou sozinho, mas suportado por um sólido acordo parlamentar) com os partidos à esquerda, ou não consegue (por impedimento seu ou de algum dos outros) formar esse governo e vai para a oposição assumindo a respetiva liderança, ou, terceira hipótese, acorda com a coligação PSD/PP uma solução que viabilize um governo minoritário desta direita, se não mesmo a entrada num governo com ela.

Na minha opinião, qualquer das duas últimas soluções representará o perigo de implosão do PS. Se a coligação à esquerda fará (como já está a fazer) saltar do barco os ratos que comem no mesmo esgoto da direita os restos da acumulação do capital, uma coligação à direita ou a demissão da função de recondução do país a uma política de crescimento e de solidariedade defraudaria, os  eleitores socialistas, que votaram para pôr fim à austeridade. Além disso, muita gente se perguntaria para que terá servido substituir António José Seguro precisamente com o argumento de que ele se preparava para formar um "bloco central com pendor à direita". A desilusão criada provocaria uma debandada interna e um afastamento das pessoas com dimensões que não consigo agora calcular, mas que reputo de catastróficas e com vastos efeitos duradouros. Esta consequência é tanto mais verosímel quanto mais se considerar que a vida política do país se radicalizou devido à ação fraturante do governo nos últimos anos, gerando um fosso no espaço que antes se chamava "centrão" e no qual o PS (bem como o setor democrata cristão do PSD, entretanto afastado do partido), se sentia confortável. Esse espaço é agora um abismo que engolirá quem teimar em manter-se nele.

Porque estamos assim?

Em primeiro lugar porque a coligação de partidos que teve mais votos nas últimas eleições perdeu-as de facto. Viu fugir-lhe 720 mil votos em relação às anteriores eleições e tornou-se minoritária. A tradição, que não é determinada pela Constituição, de entregar a tarefa de formar governo ao partido (ou coligação) mais votado não servirá, porque o governo terá vida efémera e em breve se abrirá uma nova crise política. De resto, julgo que a hecatombe (a queda de 12%) não foi maior apenas porque a direita foi eficaz na campanha que vem fazendo há mais de seis meses, com inequívoco apoio de toda a comunicação social e de alguns organismos internacionais dominados pelos interesses das grandes corporações financeiras  (como a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Presidente do Eurogrupo) viciando o jogo com o apoio prestado ilegalmente, por ingerência em assuntos internos, aos seus delegados no país. A mensagem dessa campanha era simples, compreensível e jogava com o medo: "herdámos um país falido, recuperámo-lo e salvámo-lo do caos". Apesar de todos os dias as informações estatísticas contradizerem esta narrativa, ela nunca mudou. Depois vinha a ameça: "quem votar no PS estará a fazer-nos voltar à bancarrota". A coligação de direita não precisou de programa porque esta história foi mil vezes repetida e convenceu setores da população que, embora descontentes, preferiram a segurança do conhecido (esta é a base do conservadorismo popular, pelo que não nos pode espantar), ao risco da inovação.

Prevalece, porém, a ideia de que a direita sofreu uma derrota eleitoral que apenas na cabeça autoritária (para não dizer pior) de Cavaco Silva e dos seus indefectíveis permitiria formar  um governo  ignorando os resultados eleitorais. É contudo lateral a discussão a respeito do papel do homenzinho, que nunca percebeu nem quiz perceber o que é a democracia e que vive na ilusão de que o voto só conta se corresponder aos seus próprios desígnios.

Em segundo lugar, o PS e António Costa também perderam as eleições. Quando foi referendado como o melhor candidato socialista para bater a direita, esperava-se uma maioria absoluta que, face ao desastre social criado pelo governo, era uma possibilidade mais do que credível. Costa não foi escolhido para ter um resultado idêntico ao de Seguro, que se contentava com ser o mais votado (contando apenas os partidos, e não a coligação de direita). Foi escolhido para assegurar o fim da política de austeridade, e isso implicava, segundo se acreditava na altura, obter uma maioria absoluta. Mas cometeu erros que mal se compreendem num político tão experiente. O maior dos quais terá sido esquecer-se que nas eleições nacionais se vota em função de uma visão global do que fará o governo, e não do detalhe do programa eleitoral. Por isso, enquanto a direita vendia o seu peixe, Costa preparava um programa económico, aceitando jogar no campo adversário, para depois então começar a campanha. Que só lhe correu bem precisamente quando, em vez dos rodriguinhos programáticos, optou pela visão de síntese, no debate televisivo com Passos Coelho. Quando lhe disse, olhos nos olhos, que tinha sido eleito primeiro-ministro com base na mentira, e que continuou a mentir a respeito do estado da nação, que era na verdade muito pior do que em 2011, e isso por causa da ideia da austeridade redobrada. Essa política radical da direita deixou o país mais pobre e os portugueses em acentuado declínio de rendimentos e condições de vida. As pessoas poderiam comprová-lo fazendo as contas às suas próprias vidas. Deveria desde o início bater na tecla de que a opção era entre o governo da miséria e um PS preparado para devolver aos portugueses o que lhes tinha sido roubado, e insistido nela sem parar. Não o fez, e perdeu. 

Em terceiro lugar, as eleições conferiram a maioria dos votos e dos deputados aos partidos de esquerda. Perante a dúvida acerca das reais intenções do PCP e do BE, derrotar o PS e viabilizar um governo de direita, ou criar uma alternativa à esquerda (dúvida essa que pairou no espírito de muita gente em 2011), e ao ler os resultados que o penalizaram por ter insistido na cassete anti-PS durante a campanha, e beneficiaram o BE que ficou a meio caminho, deixando escapar uma ou outra vez a ideia de que poderia abandonar o conforto do protesto para queimar as mãos na governação, o PCP deu um passo histórico ao dizer que poderia viabilizar, e até mesmo integrar, um governo do PS, abandonando alguns dos dogmas programáticos - saída da NATO, da UE e do Euro - mais ideológicos do que políticos. Esta posição, que saúdo vivamente, vem ao encontro de declarações de António Costa após a eleição para secretário-geral do PS, segundo as quais a ideia de "arco da gorvernação"  excluindo o PCP e o BE, era uma construção histórica que não tinha mais sentido. Deve formar governo, em democracia, quem tem mandato popular para o fazer. Ainda não sabemos o que irá acontecer nas negociações entre o BE e o PS, mas há fundados motivos para acreditar que se poderão entender. 

Se não o fizerem, PS, PCP e BE perderão uma oportunidade histórica e serão fortemente penalizados no futuro. Irão acusar-se mutuamente numa peixeirada que apenas reforçará a convicção de que votar à esquerda não vale a pena. Podem depois tranquilizar a consciência, chumbando as propostas de programa de gorverno e o orçamento de regresso à austeridade. Mas não serão desculpados por não terem sido positivos na assumção de responsabilidades.

No caso específico do PS, não coloco sequer a hipótese de integrar o governo, o que seria vergonhoso, e a falta de vergonha é falta de princípios e valores que apenas podem conduzir ao descrédito do regime. Por isso, ou se abstém viabilizando esse gorverno desta direita, contrariando as promessas eleitorais, caso em que perderá irremediavelmente a confiança do eleitorado, ou vota de modo a provocar a queda do governo, e pagará um preço elevadíssimo por nem governar nem deixar governar. Em qualquer caso, prevejo que em eleições convocadas para "desatar o nó", a direita será premiada (não por mérito próprio, mas por demérito da esquerda), com uma maioria absoluta. Isto, como disse, caso não tenha sido formada a alternativa à esquerda.

Por isso a António Costa sé resta um caminho: fazer tudo o que lhe for possível para formar um governo de esquerda liderado pelo PS e, se não fôr possível, mostrar sem deixar espaço para dúvidas de quem foi a responsabilidade. Sua, não pode ser. 

Por fim, deixo uma nota otimista. Estou convencido de que António Costa tem a capacidade para, com um tal governo, ajudar a resolver alguns dos bloqueios que se colocam hoje aos partidos socialistas europeus, amarrados que parecem estar aos interesses do capital e esquecidos das classes socias que deverão ser as suas bases de apoio. Os resultados dos trabalhistas ingleses não podem deixar de ser considerados. Pesem embora os boicotes e tentativas de subjugação que não deixarão de vir da União Europeia e dos seus atuais orgãos - que toleram governos fascistas e pró-nazis, mas não os que integrem partidos comunistas - essa é a única saída para o PS e a melhor para Portugal. Será um caminho difícil, mas não impossível. 

publicado por cafe-vila-franca às 15:05

No Café Vila Franca, como nos cafés da trilogia de Álvaro Guerra, os personagens descrevem, interpretam e debatem a pequena história quotidiana da sua terra e, com visão própria, o curso da grande história de todo o mundo.
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